segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Spirou contra os Nazistas

Não é raro, no mundo das histórias em quadrinhos, a obra de um autor passar para as mãos de outros artistas após a desistência ou falecimento do criador original da série ou personagem. O que é raro é que nas mãos desses seguidores as novas histórias consigam a mesma qualidade ou importância da HQ de origem.

Mas com Spirou aconteceu isso. E por duas vezes.
A primeira foi quando o desenhista belga André Franquin assumiu a paternidade da HQ. Spirou havia sido criado por Rob-Vel em 1938, por encomenda da editora Dupuis, como personagem de uma nova revista – que existe até hoje – que trazia o mesmo nome do personagem. Seriam pequenas histórias cômicas que dariam unidade e identidade à publicação.

Quando Rob-Vel foi convocado pelo exército belga no início da Segunda Grande Guerra, o personagem foi adquirido pela Dupuis e passou para as mãos de Jijé, um dos grandes nomes da HQ franco-belga, mas que logo passou a responsabilidade para um desenhista iniciante: André Franquin. Nas mãos de Franquin, Spirou ganhou uma nova vida, cheia de aventuras, novos amigos e novos inimigos também.

Aos já existentes Fantasio e Spip, Franquin acrescentou uma enorme galeria de personagens, encabeçados pelo cientista/inventor Conde de Champignac, o estranho animal Marsupilami e o vilão Zorglub. Com Franquin a série viveu sua época de ouro.
Depois de abandoná-la no final dos anos 1960 para se dedicar a outras HQs, como o divertidíssimo Gaston Lagaffe, As Aventuras de Spirou e Fantasio já passou pelas mãos de uma dúzia de outros roteiristas e desenhistas. Embora talentosos, não conseguiram alcançar a genialidade de Franquin como criador de histórias e desenhos.

Pois agora, quarenta anos depois, as aventuras de Spirou ganham criadores que trazem uma visão inovadora do universo do personagem. A coleção Une Aventure de Spirou et Fantasio par (Uma Aventura de Spirou e Fantasio por), iniciada em 2006, traz sempre uma história da famosa dupla na visão de diferentes autores convidados. Depois dos primeiros três volumes, que seguiam o caminho já trilhado por Franquin muitos anos antes, com aventuras mirabolantes onde predominam civilizações perdidas e segredos indecifráveis (até Spirou entrar em cena) o quarto e o quinto volume da série resolveram reinventar o passado do personagem.

Em Le Journal d’un Ingénu (O Diário de um Ingênuo), o autor Émile Bravo retorna a 1939, quando as aventuras do personagem davam seus primeiros passos, e decide trazer a política dos anos pré-guerra para as páginas da HQ, que assume o estilo de desenho da época e utiliza cores sóbrias para marcar o clima sombrio daqueles dias em que o conflito iminente e inevitável pairava sobre toda a Europa.

Spirou ainda era um garoto de recados que carregava as malas dos hóspedes do Moustic Hotel e só tinha o pequeno esquilo Spip como amigo. Porém, aos poucos, a trama envolvendo nazistas e comunistas vai se desvelando e vai transformando o garoto despreocupado em um protagonista de secretas negociações políticas que acontecem em uma Bruxelas ainda em tempos de paz, mas com os alemães batendo à porta.

Bravo retraça os primeiros momentos do garoto e explica a razão de Spirou usar seu tradicional uniforme vermelho, seu primeiro encontro com Fantasio, que se tornaria seu companheiro de inúmeras aventuras e alguns outros segredos sobre a vida do personagem.

O livro seguinte, Le Groom Vert-de-Gris (O Garoto de Recados Verde-Oliva), agora pelas mãos de Yann (roteiro) e Olivier Schwartz (desenhos), é quase uma continuação do anterior. A ação se passa na mesma Bruxelas, só que agora em 1942, e já sob o domínio dos nazistas. A dupla responsável pela criação do álbum resolveu aprofundar o tema político/histórico da história anterior e colocou Spirou e Fantasio em meio a uma divertida e movimentada trama envolvendo as forças de ocupação nazista e a resistência belga.

Enquanto o livro de Bravo tem uma ação contida e que se passa quase exclusivamente nos quartos, salões e corredores do Moustic Hotel, a história de Yann/Schwartz é bem mais agitada e mostra grandes quadros representando batalhas e cenas por toda a Bélgica, com a curiosa aparição de outros personagens e autores de HQ (Hergé é um deles) em pequenas cenas espalhadas por todo o livro.

Dois livros que os interessados precisarão buscar a edição original em francês, pois dificilmente serão traduzidos por aqui ou mesmo em inglês.

Dois livros que mostram que com talento pode-se revigorar mesmo um personagem setuagenário e que já estava relegado a uma série de livros onde o apelo comercial era o que mais importava. Vida longa a Spirou e Fantasio.

Fonte: Impulso HQ

Um comentário:

Giorgio Cappelli disse...

O autor da resenha só esqueceu de comentar o trabalho da dupla Tome & Janry, que deu vida nova aos personagens Spirou e Fantásio.