domingo, 21 de fevereiro de 2010

O pai do quadrinho no Brasil


IGOR COSTOLI

Apesar de ser uma arte que encanta e apaixona um incontável número de leitores pelo Brasil, poucos são os que conhecem o nome de Angelo Agostini. Contudo, deveriam.

Angelo Agostini nasceu na Itália, em 1843, e veio para o Brasil com 16 anos. Viveu primeiro em São Paulo, onde fundou o primeiro periódico ilustrado local, o "Diabo Coxo". Anos depois, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde sua carreira de cartunista deslanchou.

Nessa época, já há muito se fazia cartum no Brasil e no mundo. O que faz de Agostini um nome tão importante foi a publicação, em 30 de janeiro de 1869, de "Nhô Quim, ou Impressões de uma Viagem à Corte", a primeira história em quadrinhos do país e que figura entre as mais antigas do mundo.

"Nhô Quim é um caipira que vai para a cidade do Rio e se choca com a civilização meio rural, meio urbana. É uma caricatura dos costumes da época", explica o jornalista e pesquisador Athos Eichler.

O pesquisador afirma que, 14 anos depois, Agostini lançou outro personagem, Zé Caipora, que também fez história. Publicado inicialmente na "Revista Ilustrada", mais tarde ele foi retomado em outras edições e teve suas aventuras lançadas em fascículos. "Isso é algo que gosto de chamar a atenção. É a primeira revista exclusivamente de quadrinhos e a primeira que acompanha as histórias de um personagem fixo", afirma.

Em 2002, Eichler lançou pela Editora do Senado Federal o livro "As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora", recuperando ambas as histórias na íntegra. "Sempre fui interessado por esse material, que até então não tinha visto completo. Achava impossível ninguém ter publicado aquilo até então", lembra.

Eichler precisou de quatro anos de pesquisa e várias fontes para reunir todo o material. "Tenho um amigo colecionador que possui alguns exemplares das revistas em que elas saíram. A Casa Rui Barbosa forneceu uma parte ao Senado, e o restante encontrei em outras bibliotecas pelo país", conta.

Qualidade. Para o crítico de quadrinhos Sidney Gusman, Agostini não apenas publicou primeiro, mas estava de fato à frente do seu tempo. "É fato que o Angelo é um dos precursores do HQ, mas deve ser respeitado também porque ele era muito bom", afirma.

Segundo Gusman, Agostini já possuía em seu trabalho elementos modernos dos quadrinhos. "Fala-se muito do termo narrativa, que é a fluidez entre os quadros, que mostra o movimento da cena. Ele tinha isso", diz.

Apesar de não ter trabalhado as falas em balões, evolução que consagrou essa mídia em definitivo, esse detalhe na obra de Agostini se antecipa em quase 40 anos à experiência norte-americana, tida como pioneira. "Ele trabalhava a sequência com o texto em baixo. Mas a narrativa já estava com ele, precisa, e seus quadrinhos tinham movimento", afirma. "As obras de Agostini são leitura obrigatória. Quem trabalha com quadrinhos precisa saber da origem do quadrinho brasileiro, saber onde tudo começou", conclui Gusman.

Importância
30 de janeiro, data da publicação de "Nhô Quim, ou Impressões de uma Viagem à Corte", foi escolhido como o Dia do Quadrinho Nacional em 1984

Prêmio. Agostini dá nome ao prêmio oferecido todo ano pela Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo aos melhores profissionais da área

Morreu em 28 de janeiro de 1910, publicando as aventuras de Zé Caipora. O fim abrupto das histórias sugere que Agostini desenhou até bem próximo de sua morte


Chargista com gosto afiado pela polêmica

Antes de publicar a primeira história em quadrinhos do Brasil, Angelo Agostini já era uma figura notória. Cartunista de alma empreendedora, fundou jornais e revistas ao longo da carreira, sempre se destacando pelo humor e, principalmente, pelas críticas.

“Ele era uma metralhadora giratória, uma mistura de Carlos Lacerda com Procon. De matadouros à higiene nas ruas, criticava tudo”, explica o pesquisador Athos Eichler. Ele conta que Agostini não tinha anunciantes, por isso seu compromisso era com os leitores. Posicionou-se a favor do abolicionismo e foi grande crítico de dom Pedro II e, posteriormente, de Floriano Peixoto.

Mais de uma vez, sua “metralhadora” lhe trouxe problemas. Algumas de suas tiras atraíram a atenção – e a raiva – do clero e de elites escravocratas, e algumas de suas publicações tiveram vida bem curta.

Nesse sentido, Agostini não foi significativo apenas no cartum. “Ele era uma figura importante da época, alguém que as pessoas escutavam”, aponta o chargista de O TEMPO, Duke, sem deixar de lado a qualidade do trabalho do italiano. “Acho interessante o acabamento que ele dava, suas ilustrações eram do tipo que se encontravam em livros, não em jornal. Retratava pessoas e roupas com grande caracterização e tudo, às vezes, para uma única charge. Mesmo hoje vemos que nada tem a riqueza de detalhes do que ele fazia naquela época”, afirma.

O professor de quadrinhos João Marcos destaca outro ponto pioneiro do cartunista: retratar fatos cotidianos em desenhos. “Ele foi um dos primeiros a dar importância à imagem para passar uma informação, fosse uma história ou uma notícia. Ele deu a isso um tratamento do qual ainda não desfrutava na imprensa”, explica o professor.

Marcos, também autor da tira “Mendelévio”, reitera a coragem de Agostini nesse sentido. “As histórias sequenciadas não eram bem vistas na época. Ele apostou nessa linguagem e criou personagens populares”. Duke possui opinião semelhante: “Devemos muito a ele, não é fácil ser pioneiro. Isso de acreditar no cartum como ferramenta de comunicação é algo que todos devemos louvar”, resume.

Angelo Agostini
Carreira. Começou com o jornal “Diabo Coxo”, em São Paulo. Dois anos depois lançou “O Cabrião”, jornal que teve a sede apedrejada antes de falir.

Rio de Janeiro
. Lá viveu sua fase mais criativa. Em 1876, fundou a “Revista Ilustrada” e nela lançou o personagem Zé Caipora, com o qual fez história nos quadrinhos

FONTE: O TEMPO

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